segunda-feira, 31 de março de 2008

Introdução

Comecei a escrever aos 12 anos, fiz alguns cursos, conheci poetas novos, li poetas consagrados, aprendi coisas novas, desaprendi outras tantas, tenho tanto tanto tanto mais para aprender e desaprender.

Hoje, ao reler os antigos poemas, amo alguns trechos, detesto outros. Creio que o ideal seria refazer muita coisa, agarrando os trechos que me encantam e me desfazendo dos demais, mas... preciso de tempo, ânimo e disciplina...rs.

Assim que os deixo aqui, exatamente como foram paridos, com as partes que eu gosto e as outras que, de alguma forma, abomino.

Apresento-lhes um pouco desses poemas escritos em português num período de 5 anos, (mais ou menos) e, originalmente, divididos em diferentes “livros”: Vôos, Sombras e Cantos d’alma*.

Os escritos anteriores a estes seguem em minha gaveta, já que hoje os veja como meras confidências de uma adolescente aspirante, talvez, à poetisa.

Os posteriores podem ser encontrados nos outros blogs, porém, estão quase todos escritos em espanhol, ainda que recheados de uma melodia tipicamente brasileira.

Começo este blog com uma seleção dos poemas que mais gosto.

* sobre os livros

Na verdade não tenho nenhum livro (somente meu) publicado, mas tenho a mania de separar os poemas por etapas e nomeio cada uma delas, desse modo, convertem-se, para mim, em “livros”.

domingo, 30 de março de 2008

Corpo



Corpo
Cris Sousil 02/09/99

Refúgio...
Em todas as ondas
Na maré de tua boca
No desenho de teu peito
No jardim de pêlos
Não há semáforos
Não há fumaça de carros
Não há telefone histérico
Nem TV estéreo
Há apenas o mistério
No teu olhar quase sério
Há chama sem vela
No enlaçamento das pernas
Há um mago
Em cada abraço
Encontro abrigo
Até mesmo em teu umbigo
Eu ressuscito
Em teu sorriso
Fogem todos os lobos
Quando pouso
Em teu corpo
Morrem todos os monstros
Quando somos
Um só ponto
Um único porto
Um só corpo.

Sinfonias em um som só



Sinfonias em um som só
Cris Sousil 28/09/99

Meu solo sombreado
pelo soro de seu sol,
seu sono sonegado
pelos solados de meus sonhos,
sopramos sonetos,
somamos o sacrilégio
de soprarmos esse sortilégio,
sósia e sócio,
seu sorriso, meu socorro assíduo,
soluço seu sabor,
sou soberana em seu solo,
você, solene em meu sótão,
saciamo-nos nesse eclipse solar,
somos e soamos
sinfonias em um som só.

Amém

Amém
Cris Sousil 15/10/99

Despertei deserto
Tatuando em meu teto
Fotos, recados e seus traços
Em seu sorriso cigano
Notas de um carnaval baiano
Vítima da fome dos vampiros
Eu vento fogo, eu te vomito
Caço o pó no copo de café
Você cavalga em meu corpo de mulher
Há algemas em meu pulso
Há brechas nesse escudo
Há soldados em guerra
Por toda a minha terra
Nessa madrugada suburbana
Há passos de fantasmas
Há lamas, lágrimas e lâminas
E uma estaca jogada na escada
E uma escada jogada na estaca
Rezo
Rezo por teus olhos angelicais
Rezo por teus beijos matinais
Rezo pelo fim dos vendavais
Movo os murais
Sopro os sinais
Tiro o meu Jesus da cruz
Que seja margem em meu castelo de areia
Ou cocaína em minhas veias
Que naufrague em meu mar de sereias
Que sacie-me nessa santa ou satânica ceia
Amém.

Bom dia

Bom dia
Cris Sousil 21/10/99

Acordei
Te vi, travesseiro
Te vi, espelho
Te vi, chuveiro
Te vi, faceiro
Toureiro de meu amor vermelho
Pedreiro em meu seleiro
Acordei
Te vi inteiro
Vento e veleiro
Acordei teu cheiro
Acordei espelho
Desse amor vermelho
Te vi
Te acordei em mim.

Quem sou?


Quem sou?
Cris Sousil 27/03/00

Gigante e anã
Roma e romã
O barco que vai ao longe
O cálice em que bebe o monge
Sou tão sol e tão lua
Transparente e obscura
Esconde tesouros e pragas
De séculos atrás
Sou templo e prostíbulo
Lobo e cordeiro
Outono em fevereiro
Eu sou um az
Sou de copas...
Eu sou a tropa
Que venceu a guerra
Eu sou a terra
E sou o céu
Eu sou o réu
Enforcado em arenas
Sou grão de areia...
Eu sou sopro e terremoto
Sou inferno e paraíso
Sou o riso do incrédulo
E o incerto do riso
Sou um risco ao teu juízo.
Eu sou o princípio de qualquer fim
Ou o fim de qualquer principio
Eu sou um mapa borrado em latim
Sou a lâmpada de Aladim
Sou Joana D’Arc do século XX
Sou margem, mártir e martírio
Num único drink
Eu sou a rosa e o espinho
O apocalipse
Pintado em rosa pink
E o querubim
Por trás da tatuagem e do piercing
Sou o sustento
Sou o silêncio
Eu sou a fonte inesgotável
Do nada
Eu sou a fome insaciável
Do tudo
A gota do inalcançável
A inalcançável gota
Eu sou as asas
De minhas asas
Censuradas.

Maça verde


Maça verde
Cris Sousil 16.06.95

Metades cortadas,
nas ondas lançadas,
podridão do caroço,
aborto do fruto.
O suave é pesado;
o branco, acinzentado;
o doce, amargo;
o verde sem cor,
e a picada da cobra
é mar de pecado
na tentação do amor.

Aparências

Aparências
Cris Sousil 03.06.95

E quem és tu ?

Corpo
e espírito morto.
Cachaça
que embriaga minh’ alma palhaça.

Carruagem da bobagem,
tatuagem sem imagem,
chantagem da coragem
de vencer na margem
do rancor.

E quem és tu ?

Lua nua e crua,
penumbra em deserta rua.

O silencioso grito,
o perdido tiro
esfomeado mendigo
quem eu pinto
e digo
ser flor.

E quem és tu ?

Fogo que arde,
brisa da tarde,
obra de arte,
príncipe de marte,
iluminada parte
do terror.

E quem és tu ?

Estrela do dia,
vento em melodia,
noite que amanhece,
sol que enriquece.

Veste-se de sombra
que a todos assombra
mas um alguém te afronta
e conta
que és longa onda
explosiva bomba
de amor

E quem és tu ?

Ruas

Ruas
Cris Sousil 05.02.96

Sobre as ruas do seu corpo
desliza minha alma
sem farol, sem porto
secando-se minhas lágrimas
E nas ruas do seu corpo
perde-se o meu eu
o silêncio torna-se poço
obscuro mas fiel
No deslizamento de um morro
rezo mais um pouco
nas ruas do seu corpo
digo amém
E nas ruas de seu corpo
esqueço o lobo
dos dias meus
Nas ruas do seu corpo
provo-me mulher
crio-te Romeu.
Encerrando o jogo
fecho os olhos e mergulho
nos braços de meu
de meu Deus.

É maldita e me dita

É maldita e me dita
Cris Sousil 09.04.96

Minha fome maldita
me dita:
reger orquestras de anjos,
dar voz para o silêncio cantar,
ondas do mar em meu corpo,
fogo nos lábios, queimar.

Minha fome maldita
me dita:
abrigo meio à tua tempestade,
refletir o céu em meu olhar,
número acrescentado à tua idade,
brisa meio teu fogo solar.

Essa fome maldita
me dita:
doce em tua sobremesa,
água ao teu sedento andarilho,
prece em tua igreja,
esmola ao teu mendigo.

É maldita
e me dita:
cachaça que te embriaga,
asas aos teus vôos,
colchão em tua queda
e luz em tuas trevas,
a chama no gelo do teu inverno,
chuva e gente em teu deserto.

Que fome maldita
que me dita:
do bebê - o choro,
da mãe - o consolo.
O amigo de rua,
a primeira mulher nua.

Ela é maldita
e me dita:
ás vezes avalanche,
vampira em teu sangue,
tiro em teu peito,
remédio ou veneno.
O cheiro da cocaína
ou o perfume das margaridas.

Minha fome maldita
me dita:
escudo na guerra,
prostituta, pernas abertas.
O dinheiro do lutador,
o Oscar do teu ator.

E a fome maldita
dita
assim:
tua sombra, teu vulto,
terra em teu túmulo,
parágrafo em tua entrada,
vírgula em tuas pausas,
ponto no fim.

É maldita
e me dita
Assim...

Nana

Nana
(estradas e paixões naufragadas)
Cris Sousil 27/09/99

Nas mãos, as malas
Na alma, as marcas
Nos olhos do tempo...
Maresia momentânea
Nostalgia oceânica
Caminhos negros
Navios de medos
Namoros náufragos
Noites navegadas
Mapas afogados
Em seu mar de pecados
Mulher de homens mascarados
Quem tem notícia de Nana?
Quem tem Nana na memória?
Nana sempre mandava
Dinheiro para sua senhora.
Nana saiu do morros
Com um barril de sonhos
Nana marcou seu marco
No corpo, naquele barco
Nana se apaixonava
Nove vezes na semana
Nana se embriagava
Numa e noutra cabana
Nana matou sua alma
Nua, amou sem calma
Nana deixou pegadas
Em todas as estradas
Nana anoiteceu-se
Nana nada em náuseas
Nana contaminou-se
Em paixões naufragadas
Noite, nordeste, Nana
Seu nome ainda nana
Nas noites enluaradas
Nana, nana, Nana
Quem tem notícias de Nana?
Quem tem Nana na memória?
Nana sempre mandava
Dinheiro para sua senhora
Nana, neném, nana.

Poesia

Poesia
Cris Sousil 05.09.96

Quando você não bate à porta,
não palpita nas veias,
não samba em meu coração...

Quando tua mão não me toca,
não brinda na ceia,
não torna-se alimentação...

Quando você evapora
e anula a senha
e abafa o furacão...

Choro,
faminta, mendiga,
implorando pão.

Choro,
imunda, no túmulo,
jogada ao chão.

Choro,
cega, de luto,
inválida mão.

Em que trono reinarás,
Rainha ?

Núpcias


Núpcias
Cris Sousil 07.09.96

Me fala com os olhos,
me olha com a boca,
me beija com a alma,
me prende com o corpo
e me salva.

Me aquece em seus braços,
viajo em seu barco,
mergulho em seus mares,
sugo os bares
de seus lábios.

Vôo em suas asas,
penetro na nuvem que passa,
jogo com a garça,
brinco com os anjos,
canto aos arcanjos
e ao querubim.

Depois sorrir,
com doçura,
na loucura
de ser sua
nua mulher.

Descanso na cama,
limpa de lama
dopada de fé.

Invasão

Invasão
Cris Sousil 18/02/99

Deixe a porta aberta
a luz acesa
e o mapa sobre a mesa
Não feche os olhos
caminhe contando sonhos
e deixe pegadas na areia
Pare a chuva de canivetes
e os ventos que me ferem
tire as agulhas do chão
e a armadura do coração
Não levante o escudo
não se agache atrás do muro
só permita-me invadir o seu mundo
Deixe as portas abertas
as luzes acesas
e um mapa sobre a mesa...

Não mais

Não mais
Cris Sousil 14/06/99

Não escrevi mais
Perdi-me entre a poluição de São Paulo
Entre as buzinas dos carros
Entre a briga dos torcedores
Entre os canivetes de marginais amadores
Perdi-me entre o batalhão de exames
Entre a lotação do metrô
Perdi-me no contrato, no computador
Nos telefones gritantes
E na campanhia falante
Perdi-me entre os ponteiros do relógio
Na papelada do escritório
Entre o bom dia do faxineiro
E o boa noite do porteiro
Perdi-me nas ruas escuras da cidade
E no copo de cerveja no fim da tarde
No tráfico matutino
Na música brega do vizinho
Não escrevi mais
Não dancei sem música
Nem sorri na chuva
Não contei mais as estrelas
Nem namorei a lua cheia
Não escrevi mais
Não achei minha caneta
Não achei minha agenda
Te perdi, e toda a letra
Me perdi, e toda negra
Não te escrevi mais
Não me escrevi mais.

Vanessa Veneza

Vanessa Veneza
Cris Sousil 23/09/99

Voou
O vôo das borboletas
No véu das violetas
Voou
Viagem sem volta
Vitória da faca
Pousou
Visita inesperada
Figura festejada
Vinho flores figo
Formosa fonte
Saciando sua fome
De vinte anos
Vanessa em Veneza
Virgem em evidência
Nove dia de festas
Nove noite de fera
Voou
Vôo das borboletas
No véu das violetas.
Afundou-se na febre
Sem falar que fere
O fogo do inverno
Voou e amou as nuvens
Floresceu o ferrugem
Violentou o feto
Fitou o inferno
Não houve vírgulas
Na nova vida
Vôo da borboleta
No véu da violeta
Vanessa em Veneza
Enfrentou os vizinhos
Veiculou o frio
Fracassou no foco
Deu ao homem um filho
Foi jogada fora
Voou
Vôo das borboletas
No véu das violetas
Vanessa sozinha em Veneza
Veneza tão fria em Vanessa
Violetas violentas voaram
Vento velando o vestido vermelho
Verde das flores forrando o veneno
Venessa em Veneza
Veneza em Vanessa
Fincada ás flores
Um mar de louvores
Vanessa Veneza
Voou
Véu de violetas
No vôo da borboleta
Vanessa Vanessa
O vôo da borboleta
Um véu de falência
No céu de Veneza
Vanessa Vanessa.

Oferendas

Oferendas
Cris Sousil 01/03/00

Te ofereço os meus olhos
Te ofereço os meus lábios
Te ofereço meu luar
Te ofereço meu umbigo
Te ofereço até meus cílios
Sempre que quiser piscar
Te ofereço os meus suspiros
Te ofereço até meus quilos
Minha arte e o meu ar
Te ofereço os meus livros
Eu te dou até meus discos
Minhas lágrimas e o meu lar
Te dou todo o meu salário
Te empresto o meu diário
Minhas asas e meu azar
Te dou todos os meus poemas
A tela do meu cinema
A basílica e o bar
Te ofereço os meus braços
Te ofereço os meus passos
Minhas portas e meu pomar
Te ofereço o meu credo
Meu verão e meu inverno
Minhas marcas e o meu mar
Te dou todos os meus troços
Te dou até os meus ossos
Te dou meu paladar
Te dou a minha bíblia
Te dou a minha vida
Minha alma e meu altar.

Tudo me leva

Tudo me leva
Cris Sousil 20/05/00

Ando em direção inversa
Movo todas as peças
Anulo meus sentidos
Abafo meus instintos
Mudo de geografia
Rasgo tua fotografia
Redecoro minha mente
Rego outras sementes
Mudo de cara, de casa
De mapa, de marcas
Esqueço manias
Me esqueço para esquecer você
Desligo a TV
O telefone gritante
Tranco as portas
Chamo as tropas
Me escondo para te esconder
Mas tudo me leva à você
O ar em meus pulmões
O sangue em minha veias
Estou numa cadeia
Trancada em teu fantasma
E tudo me leva à você
A água que mata minha sede
O shampoo e o sabonete
Os pelos de meu corpo
Todos os pontos e contos
Tento fugir de mim
Para fugir de você
Ando em direção inversa
Tudo me leva...
Mudo de cara, de casa
De mapa, de marcas
Me esqueço mas não te esqueço
Você neva
Tudo, tudo me leva
Tudo me leva á você.

Nem sei


Nem sei
Cris Sousil 22/05/00

Gota após gota
De uma garoa fina,
Grão de areia,
Formiga...
Nem eu me vejo
Nem sei se desejo
Me ver
Sombra...
Máscaras...
Um poço escuro,
Um túnel...
Nem eu me vejo
Nem sei se desejo
Me ver.
Se sou a profundeza do mar
Ou o sol, ou as nuvens
Se sou mesmo garoa
Ou se estou mais para tempestade
Se tenho a doçura de Meireles
Ou de Rimbaud, a estranha maldade
Se sou o sal ou o açúcar
Não sei... Não sei...
Reflito-me sinfonia sem notas
Palavras tão mortas
Um quadro sem pintura
Um conjunto de loucuras
Não, eu não me vejo
Nem sei se desejo
Me ver...

Odeio

Odeio...
Cris Sousil 08/07/00

Como odeio teu sorriso cínico
E teus cabelos ao vento
Teu sotaque malandro
Teu andar devagar, divagando
Detesto tua voz em meu ouvido
E teu olhar invadindo meus olhos
Eu desprezo os teus sonhos
Tuas raízes, teu ar, teu soro
Detesto o teu toque
Que ultrapassa minha carne
Odeio teus cds de rock
E teus móveis de mármore
Eu desaprovo tuas escolhas políticas
E tua vida felina
Queimaria os teus livros
E arranharia teus discos dos Beatles
Detesto quando aposta comigo
E julga-se tão querido
Odeio cada linha de teu rosto
E cada pelo de teu corpo
Odeio tuas palavras
Odeio quando fala e quando cala
Odeio quando bate a porta
E quando parte antes da hora
Odeio todas as tuas roupas
E o mel em tua boca
Odeio teus braços, teus abraços
Tua casa, tua história, tua memória
Odeio tua risada desabochada
E o teu pranto contido
Odeio tuas imperfeições tão perfeitas
Odeio-te
Por obrigar-me a amar-te tanto
Tanto...

POEMAS DOS LIVROS

A PARTIR DE AQUI, EDITO OS POEMAS DOS LIVROS MENCIONADOS ANTERIORMENTE, ORDENADOS POR DATA.

Lençol

Lençol
Cris Sousil 21.05.95.

O lençol manchado
refletia a cena do passado,
os corpos colados,
o suor sagrado.
O lençol ao vento:
a noite, o relento,
fato consumado
no peito guardado.
O lençol voando:
o tempo passando,
quarto escuro, eterno,
lá fora, só mistério.

Abre-se a janela,
penetra o ar,
brilho no olhar
com a visão do sol
ultrapassando o lençol

Luz,
enfim reluz
e seduz.

Anjo

Anjo
Cris Sousil 21.05.95

Abra os braços dourados,
dê aos lábios, sorriso,
ao coração, paraíso.

Abra os braços dourados,
mate minha fome de luz,
segure minha mão e conduz.

Abra os braços dourados,
dê asas ao meu corpo,
aqueça meu espírito morto.

Abra os braços dourados,
com suas traquinagens
dê brilho a minha face
e siga a brincar,
estrelinha cintilante,
eterno viajante,

Abra os braços, as asas douradas
e espalhe seu céu, anjo rei,
sobre os habitantes desse mundo
tão pobres sem sua lei.

Enquanto

Enquanto
Cris Sousil 31.05.95

Enquanto não sair dos lábios
dos olhos
e da alma
não descansarei.

Enquanto não cobrires
o meu sol
com tua sombra
não desistirei.

Eu sei ...
Eu sei ...

Maça verde

Maça verde
Cris Sousil 16.06.95

Metades cortadas,
nas ondas lançadas,
podridão do caroço,
aborto do fruto.
O suave é pesado;
o branco, acinzentado;
o doce, amargo;
o verde sem cor,
e a picada da cobra
é mar de pecado
na tentação do amor.

Aparências

Aparências
Cris Sousil 03.06.95

E quem és tu ?

Corpo
e espírito morto.
Cachaça
que embriaga minh’ alma palhaça.

Carruagem da bobagem,
tatuagem sem imagem,
chantagem da coragem
de vencer na margem
do rancor.

E quem és tu ?

Lua nua e crua,
penumbra em deserta rua.

O silencioso grito,
o perdido tiro
esfomeado mendigo
quem eu pinto
e digo
ser flor.

E quem és tu ?

Fogo que arde,
brisa da tarde,
obra de arte,
príncipe de marte,
iluminada parte
do terror.

E quem és tu ?

Estrela do dia,
vento em melodia,
noite que amanhece,
sol que enriquece.

Veste-se de sombra
que a todos assombra
mas um alguém te afronta
e conta
que és longa onda
explosiva bomba
de amor

E quem és tu ?

Dia

Dia
Cris Sousil 21.06.95

Há dia
na viagem da águia,
na fábula da água.
Há dia
na magia da fada,
na máscara da palhaça.
Há dia
na alma da madrugada,
na face encantada.
Há dia
na claridade da cidade,
na arte da tempestade.
Há dia
na dádiva
da tua alma
que me dá asas
para flutuar
no ar

Perdida

Perdida
Cris Sousil 21.06.95

Há uma peça fora do lugar,
água desaguando em outro mar,
para onde caminhar ?

E eu perdida, num labirinto.

Não sei se é brisa ou vendaval,
se é fada ou bruxa do mal.

E eu perdida, sem destino.

Não sei se é anjo ou demônio,
límpida água ou choro.

E eu perdida, sufocando o grito.

Não sei se é sol ou sombra,
se é mar calmo ou violenta onda,
se é brinquedo ou perigosa bomba.

E eu pedida, se sou eu quem pinto.

Se for penumbra, pintarei poesia;
se for insultos, pintarei melodia;
se for noite, pintarei o dia.
Varrerei as nuvens, descobrirei o céu;
afugentarei abelhas, adoçarei o fel.
Desaguarei em teu oceano,
se me afogar, serei anjo
que nadou para voar
que dormiu para despertar
em seu lar.

Sol da noite

Sol da noite
Cris Sousil 22.06.95

Que o sol brilhe essa noite
quando teus olhos tocarem os meus,
quando tuas mãos penetrarem as minhas,
quando tuas palavras me acariciarem,
quando tuas carícias me falarem.

Que o sol brilhe essa noite
quando você me levar ao céu,
quando saciarmos nossa fome,
quando você tatuar em minh’alma
o teu nome

Que o sol brilhe essa noite
quando nos embriagarmos nessa chuva,
quando tirarmos máscaras e luvas
e mostrarmos a face oculta

Que o sol brilhe essa noite
quando brilharmos - nos estrelas
do dia ou da noite escura.

Paraíso ou inferno?

Paraíso ou inferno?
Cris Sousil 23.06.95

Se por trás do sol há lua
e até o céu tem nuvens,
na mais bela flor, espinho;
na pacata cidade, um tiro;
na deserta rua, um grito;
por trás do rico, mendigo;
após o verão, inverno;
e o apocalipse tão perto,
e o fogo cruel, tão certo,
e o mar de lágrimas, eterno,
esperarei de todo esse teu mistério,
desse seu olhar tão belo
paraíso ou inferno?

Repentinamente

Repentinamente
Cris Sousil 06.08.95

Repentinamente
um raio que cai,
o sol que se vai.
Repentinamente
água que embriaga,
mar que encharca.
Repentinamente
riqueza na chegada,
falência na largada,
miséria no adeus.

Renascer

Renascer
Cris Sousil 06.08.95

Furacão que arrasa,
temporal que me abraça,
embriago-me em tua fonte,
caio em tua ponte,
nesse rio de mistério,
a dois passos o corpo,
um jogo,
esconde-esconde
da alma.

Perdido naquele monte,
Everest - o nome,
com fome
de luz

Monte onde anjo não pousa,
permitindo-te descanso
e a ponte do rio,
pouco a pouco
destruída pelo arrepio,
pelo frio
de teu silêncio sombrio

Renascer...

Questionamento

Questionamento
Cris Sousil 23.08.95

Quem ?
Rica e pobre,
faminta.
Sol e lua,
obscura.
Quem ?
Brisa e vendaval,
magia.
Ora céu, ora mar,
sombria.
Quem ?
Penumbra ou poesia,
quebra cabeça em peças infinitas,
montagem inconstante,
num instante
nada e tudo.
Mundo
Qual mundo ?
Quem ?
Deserto...

Dentro de mim

Dentro de mim
Cris Sousil 25.08.95

Nessa viagem
interrompida
ficam imagens
adormecidas
dentro de mim.
Imagens resgatadas
numa lágrima
ou num sorriso,
inferno e paraíso
dentro de mim.
E tua figura
ainda me inunda,
um flash,
uma onda,
uma bomba
pronta à explodir.
Melhor assim,
fora do alcance dos olhos
mas dentro,
sempre dentro de mim.

Como I

Como I
Cris Sousil 31.08.95

Como ver sol em tempestade ?
Como ver multidão no deserto ?
Como sentir-te perto ?
Abafar esse mar de vontade
se não te enxergo ?
Como ver dança em velório ?
Como voar presa ao solo ?
Como embriagar-me de luz
se teu olhar já não reluz ?
Como tocar as estrelas ?
Bailar no ar, música lenta
se não posso tocar teu rosto,
saborear o teu gosto,
bailar agarrada ao teu corpo,
unir-me a ti,
encerrando esse jogo?

Queda

Queda
Cris Sousil 10.09.95

Um copo vazio
caindo da mesa,
transformar-se-á em cacos ?
Não...
Uma mão acolhe o corpo,
volta-se ao topo,
solto,
um pouco morto,
nega-se ao solo
choro...
se não experimentar o solo e resistir
jamais chegará ao céu para sorrir

choro...

Duelo

Duelo
Cris Sousil 11.11.95

Passos que emperram,
mãos que insistem,
tocar.
Corpos que se enganam,
almas que ordenam,
prosseguir.
Olhos que fecham,
corações que despertam,
enxergar.
Busca constante,
nenhum instante
o fim.
O exterior se oculta,
o interior desnuda
o ar .
O tempo é longo,
os santos não descansam
até unir.
Se os corpos se enganam,
a ignorância é mútua,
basta dormir.
Jamais se entrega
quem conhece a arte
de amar.
Se muitas são as chuvas e as rochas,
imagine a glória
quando o momento brilhar.
E da busca, o encontro,
encerrando o jogo
único fim.
Na luz do momento,
o repouso das almas,
a integração dos corpos
e o amor a assumir,
a reinar, à triunfar,
a existir.

Uma vez

Uma vez...
Cris Sousil 05.02.96

A rede balança,
o vento indica mudança,
sopra.
Levanto a poeira,
varro a bandeira,
mostro-me.
Embalo-me na dança
mas a menina de trança
chora.
Nas chamas da fogueira,
a imagem grosseira
queima.
Já não há mais França,
desfizeram-se as tranças
e a porta de madeira
abre-se.

Ruas

Ruas
Cris Sousil 05.02.96

Sobre as ruas do seu corpo
desliza minha alma
sem farol, sem porto
secando-se minhas lágrimas
E nas ruas do seu corpo
perde-se o meu eu
o silêncio torna-se poço
obscuro mas fiel
No deslizamento de um morro
rezo mais um pouco
nas ruas do seu corpo
digo amém
E nas ruas de seu corpo
esqueço o lobo
dos dias meus
Nas ruas do seu corpo
provo-me mulher
crio-te Romeu.
Encerrando o jogo
fecho os olhos e mergulho
nos braços de meu
de meu Deus.

Por teus olhos

Por teus olhos
Cris Sousil 06.02.96

Viajo em teus olhos,
bagagem pouca,
encomenda louca,
sem desistir.

Afogo-me em tuas lágrimas,
agarro-me em tuas pálpebras
para não cair

No azul dos teus olhos,
abro asas e vôo,
sem pouso ou retorno
até descobrir.

Sigo uma luz
que traindo-te, conduz
para dentro de ti

E pálido o meu rosto,
saboreio o teu gosto,
não vou resistir.

Terremotos acontecem,
revelações se enfurecem
contra mim.

Num pisca - pisca constante,
desisto um instante,
volto a subir.

Embriago-me na fonte
ao chegar junto ao monte
que me faz sorrir

E teu ser eu desnudo,
meu espírito mudo
diante do mundo
que existe em ti.

Viagem de volta,
encomendas ganhadas,
não posso partir

Esse vasto mudo
em teus olhos ocultos
abraça-me
sem fim.

Raios de sol

Raios de sol
Cris Sousil 23.02.96

Raio de sol
acenando à penumbra,
cantando um adeus.
Raio de sol
amamentando a criança
que por você renasceu
Raio de sol
reformando a alma suja
em seu gosto plebeu
Embalando-me na dança
na luz que acendeu
Raio de sol...
Para alcançá-lo,
dei passos no escuro.
Para tocá-lo,
pulei cercas e muros.
Para amá-lo,
embrulho-te meu mundo.

E nuvens cobriam o céu

E nuvens cobriam o céu
Cris Sousil 27.02.96

Quando nuvens cobriam o céu
e meu corpo afogava-se na tempestade
e meus pés rendiam-se à ventania...
Quando nuvens cobriam o céu
e minh’alma acenava à claridade
e meus ouvidos anulavam-se à sintonia...
Quando nuvens cobriam o céu
e rastejava pelas ruas da cidade
buscando a crença de um novo dia...
Quando nuvens cobriam o céu,
abre-se uma brecha,
acerta-me uma flecha
e você me sorria.

É maldita e me dita

É maldita e me dita
Cris Sousil 09.04.96

Minha fome maldita
me dita:
reger orquestras de anjos,
dar voz para o silêncio cantar,
ondas do mar em meu corpo,
fogo nos lábios, queimar.

Minha fome maldita
me dita:
abrigo meio à tua tempestade,
refletir o céu em meu olhar,
número acrescentado à tua idade,
brisa meio teu fogo solar.

Essa fome maldita
me dita:
doce em tua sobremesa,
água ao teu sedento andarilho,
prece em tua igreja,
esmola ao teu mendigo.

É maldita
e me dita:
cachaça que te embriaga,
asas aos teus vôos,
colchão em tua queda
e luz em tuas trevas,
a chama no gelo do teu inverno,
chuva e gente em teu deserto.

Que fome maldita
que me dita:
do bebê - o choro,
da mãe - o consolo.
O amigo de rua,
a primeira mulher nua.

Ela é maldita
e me dita:
ás vezes avalanche,
vampira em teu sangue,
tiro em teu peito,
remédio ou veneno.
O cheiro da cocaína
ou o perfume das margaridas.

Minha fome maldita
me dita:
escudo na guerra,
prostituta, pernas abertas.
O dinheiro do lutador,
o Oscar do teu ator.

E a fome maldita
dita
assim:
tua sombra, teu vulto,
terra em teu túmulo,
parágrafo em tua entrada,
vírgula em tuas pausas,
ponto no fim.

É maldita
e me dita
Assim...

Calada

Calada
Cris Sousil 23.04.96

Olhos castanhos
em mim.
Palavras camufladas,
mãos atadas,
coração em balada,
devo sorrir.

Vejo e não toco,
deixo ir.

É o sol e a lua,
os fantasmas da rua
e eu aqui.

Não é meu mundo
é um passo no escuro
que não posso resistir.

Um enlace,
um encaixe,
engulo a frase,
mergulho num disfarce...
Deve existir
um beijo
saciando o desejo
um fim.

Respiro fundo,
palavras em soluços,
desvio pedido,
não digo,
a noite acaba,
o sol não brilha,
nada termina
nem a chama calada
chorada por ti.

Sem rodeios

Sem rodeios
Cris Sousil 23.04.96

O mesmo aconteceu,
não pude sustentar
o duelo de olhar,
não pude falar
o que devia revelar.

Olhei tua boca.
fiquei louca
por tocá-la.

Olhei teu rosto,
não senti o gosto
de acariciá-lo.

Olhei teu corpo,
abafei o fogo,
hmmm devorá-lo.

O mesmo aconteceu,
você noivo
e eu de novo...
covarde.

Dei as costas,
parti...
Mergulhei no poema
onde meu tema
foi tua pessoa,
não criei imagens
nem disfarcei a mensagem,
nem aperfeiçoei a linguagem,
empobreci a obra,
literalmente uma droga,
só para deixar um grito singelo
dizer o quanto te quero
nesse regresso
livre expresso
sem rodeios...

Chove

Chove
Cris Sousil 03.09.96

Chove dentro de mim,
na boca calada,
nas mãos atadas,
no coração em balada.

Chove assim:
mente recheada,
na alma cercada,
em alta madrugada.

Chove sem fim,
sem paradas,
em zona farpada.

Chove por ti.
numa trovoada
abafada.

Chove dentro de mim
assim
chove sem fim.

Poesia

Poesia
Cris Sousil 05.09.96

Quando você não bate à porta,
não palpita nas veias,
não samba em meu coração...

Quando tua mão não me toca,
não brinda na ceia,
não torna-se alimentação...

Quando você evapora
e anula a senha
e abafa o furacão...

Choro,
faminta, mendiga,
implorando pão.

Choro,
imunda, no túmulo,
jogada ao chão.

Choro,
cega, de luto,
inválida mão.

Em que trono reinarás,
Rainha ?

E o beijo?

E o beijo ?
Cris Sousil 05.09.96

E o beijo ?
E a fome sem eixo,
sem fonte ?

Oferece-se os lábios
e a química come
num enlace que atrai
e trai.

Nas paredes da alma
o samba enredo de um coração
e os lábios cercados e abandonados
se ocultam na palma
das linhas da mão

Ele sai
Tudo cai
Estou salva
apagado o vulcão

Um copo de ar
colheradas de lar

E o beijo ?
E a fome sem eixo,
sem fonte ?
se esvaziará ?

Espera-me esta noite

Espera-me esta noite
Cris Sousil 05.09.96

Se puder
me espere esta noite
me dê tua boca
seja minha toca
capa contra frio
Se puder
me espere esta noite
não peço ponte
não vôo longe
nem mergulho em rio
Se puder
me espere esta noite
joguemos juntos
giremos o mundo
nada mais.

Resgate

Resgate
Cris Sousil 06.09.96

Maré alta,
na boca que cala,
na alma que fala,
no olhar que pára,
na prisão da sala.

E sou palhaça
sem graça
sem cor.

Murcha flor,
de corpo molhado,
nu e gelado.
Eterna noite
sem ponte para o sol.

Oculta em lençol
de seda
negra

Estendo os braços,
busco algo,
busco o mago
que me enfeitiçou

Ele voou,
neguei o convite
meio ao brinde.
Salto ao chão,
visto o roupão,
quase nua,
cansada de luas
grito seu perdão.

Largo tudo,
ganho o mundo
sem bagagem
nem carruagem,
beijo o vento,
vou sem medo,
era faminta,
rica mendiga,
agora grão de areia,
arrastando poeira,
sorrindo com calma,
livre de armas
SALVA
vôo de alma
corpo
e coração.

Núpcias

Núpcias
Cris Sousil 07.09.96

Me fala com os olhos,
me olha com a boca,
me beija com a alma,
me prende com o corpo
e me salva.

Me aquece em seus braços,
viajo em seu barco,
mergulho em seus mares,
sugo os bares
de seus lábios.

Vôo em suas asas,
penetro na nuvem que passa,
jogo com a garça,
brinco com os anjos,
canto aos arcanjos
e ao querubim.

Depois sorrir,
com doçura,
na loucura
de ser sua
nua mulher.

Descanso na cama,
limpa de lama
dopada de fé.

Um pedido, um poema

Um pedido, um poema
Cris Sousil 10 e 11.09.96

Que dilema
me pediram um poema,
busco um tema,
minh’alma voa,
minha mão rabisca,
num mergulho eu vou
pelo céu que entoa,
o coração palpita,
relata quem sou,
nesse véu que soma,
essa minha sina,
prova que estou
aqui
afim de sorrir.
E não há quem derrube
e não há quem afunde
o barril de sonhos
que eu te proponho.
E é nesse jogo,
te confesso, louco
que as palavras bailam,
fome e sede embalam.
Grito, agito
rabiscos
nesse meu dilema
um pedido, um poema
busca de um tema.

Verônica

Verônica
Cris Sousil 11.09.96

Impossível respirar,
deixe-a voar,
mate essa fome
ou ela que a matará...
Verônica...

Minha personagem mergulha em piscina meio a noite fria,
rouba a camisa branca, transparece-se baixo a chuva fina.
Minha personagem voa em moto veloz,
beija cavalo feroz.
Minha personagem traça duelo com o vento,
ela sorri ao relento.
Minha personagem salta em pára-quedas,
minha personagem acaricia rochas e pedras.
Bate a porta, não quer ouvir.
Grita calada, vai partir.
Minha personagem fala com um olhar,
suspira ondas de mar.
Minha personagem é céu,
vulcão.
É gelo e fogo,
anjo e demônio,
estrela cadente,
carentes
resgates...

O que quer de mim?

O que quer de mim ?
Cris Sousil 24.09.96

O que quer de mim ?
Que jogue com o vento,
que beije o relento ?
Que dance com o lobo,
que chore com o bobo ?
O que quer de mim ?
Que queime o frio,
que seque o rio ?
Que empacote o céu,
que amargue o mel ?
O que quer de mim ?
Que suavize a cachaça,
que assombre a palhaça ?
Que inunde o deserto,
que dê luz ao feto ?
O que quer de mim ?
Que beba o mar
que mergulhe em bar ?
Que mate o morto,
que enlouqueça o louco ?
Você faz vexame,
suga o meu sangue.
Dançarei parada,
falarei calada,
arrastarei poeira,
escreverei na areia
o teu sobrenome.
Saciarei tua fome,
meu senhor, meu amo,
navegarei o oceano
levando o fruto,
compulsiva paixão
o que quer de mim ?

Estou aqui...

O sol brilhou

O sol brilhou...
Cris Sousil 28.11.96

O sol brilhou
em três noites
entre palmas aceleradas
entre vozes desafinadas
entre lágrimas liberadas.
O sol brilhou
em três noites
livre de disfarce
num perfeito enlace
Um eclipse
sem deslizes
só glória
O sol brilhou
em três noites
feito estrela cadente
cantando e encantando
e se ocultando
réu dos céus
O sol brilhou
em três noites
invadindo tudo
revelando ao mundo
o seu eu
O sol brilhou,
vestiu três noites
de noivas
do dia.

Que asas?

Que asas ?
Cris Sousil

Que asas são essas
que não podem se abrir ?

Gaiolas,
máquinas humanas,
sem que nem as lágrimas
possam cair.

E cada vez respiro terra
minh’alma, doce fera
se embriaga na esfera
onde o vôo
segue sem pouso
onde os olhos
me tiram do solo
enquanto durmo,
sumo
e sou feliz.

Que asas são essas
que não podem se abrir ?

Vôo

Vôo
Cris Sousil 04.12.96

Quebre as algemas,
leia minha senha,
vou sem dono,
pouso em morros,
abro asas,
voarei.

Mergulho
em maré de glória,
escute, a alma chora,
banhe minha sede,
destrua as paredes,
mergulharei.

Salto,
toco o céu gigante,
luzes de amante,
dê-me um impulso,
um segundo, um mundo
saltarei.

Bailo
entre nuvens rosas,
levito sobre poças
melodia de arcanjos
bailarei.

Canto,
desafino o coro,
ilumino o choro,
seque minhas lágrimas,
beije minhas pálpebras,
cantarei.

Choro,
já não me segure,
já não me pergunte,
ponha-me em teu colo,
presa nesse solo,
chorarei.

Amo
todos os sorrisos -
doces paraísos,
todos os olhares -
obscuros mares,
amarei.

Brilho
quando sou estrela,
quando lua cheia,
ao saltar brilhando,
ao chorar cantando,
ao amar voando,
brilharei.

Vôo,
sua estrela guia,
nos céus de seus dias,
sol nas noites frias,
voarei...

“Porque o Senhor nos criou, nos ama e nos amará sempre,
porque me presenteou com esse dom divino “escrever”,
voarei, mergulhei, cantarei meu amor e minha gratidão eterna.”

Quando teus olhos

Quando teus olhos
Cris Sousil 11.12.96

Quando teus olhos
repousam em mim,
toco o céu,
vôo ao léu,
mergulho, sereia,
brilho, estrela.

Quando teus olhos
repousam em mim,
revela-se paraíso
num sorriso
luz da lua
fêmea nua.

Quando teus olhos
repousam em mim,
piscam minha imagem,
fera selvagem
domada em teus braços.

Fogo em abraços,
mel em afagos,
só um mundo
durmo
criança feliz,
estão seus olhos
pousados
em mim.

Amanheceu

Amanheceu
Cris Sousil 01.01.97

Amanheceu,
o luar acenou,
a estrela se ocultou,
a coruja calou.
Amanheceu,
teu corpo ao lado,
um pouco molhado,
olhos fechados.
Amanheceu,
afugentamos nuvens negras,
bailamos música lenta,
reacendemos fogueiras.
Amanheceu,
espantamos os monstros,
alcançamos os morros,
tampamos o poço.
Amanheceu,
seus olhos abriram,
seus lábios sorriram
aos meus se uniram
e
amanheceu .

Mar

Mar
Cris Sousil 01.01.97

Palpita em meu peito,
calada, lhe beijo
me deixo completa
sou ele.

Perde-se em sua extensão
minha deslumbrada visão,
Em seu território
eu douro.
Tantas vastas águas,
ondas que loucas
me invadem

No horizonte
ele beija o céu,
mais ao monte
para as rochas, é véu.

Reina em meus poemas,
à minh’alma
enriquece com calma,
em minhas veias
pulsa sua areia,
sou sua sereia.

Visto-me em seu corpo
e sou imensa,
abro seu diário,
vejo namorados,
amigos, sorrisos.
Vejo a despedida,
marinheiro, esposa caída.
Vejo o barco,
colorido arco.
O surfista na prancha
que nas ondas deslancha.

E o luar chega
nas águas se espelha
junto à luz de Deus
Ah ! Vem onda !
e me Invade toda
Vem, venha onda,
penetre-me, louca!

Sua dourada sereia
nas veias
areia,
De glória
me cala
poetisa perdida
diante o espelho de Deus
o espelho de Deus.

Encarnações

Encarnações
Cris Sousil 24.01.97

Pertenci a uma raça antiga,
índios selvagens,
cavalgantes, animais velozes,
ferozes
defensores da terra,
amantes da lua
e da fêmea nua
Aqueci-me em fogueiras,
dormi em cabanas, verdes telhas,
pintei o corpo,
beijei o fogo,
me dei à homem branco

Pertenci a um bando,
pássaros azuis
buscando luz.
Asas douradas,
longas pousadas,
voei mais alto,
voei contrário.

Pertenci a uma alcatéia,
lobos cantores,
alta madrugada,
busquei a platéia,
em fuga armada
virei bela,
engoli a fera.

Pertenci ao convento,
rezei baixo a panos,
castigaram-me ao pranto.
Andei ao léu,
parei em bordel,
virgem prostituta,
virgem em disputa.

Pertenci a legião de vampiros,
noites sangrentas,
fome nojenta,
fiz esforço,
neguei pescoço,
esfomeada e sedenta,
virei lenda.

Pertenci ao circo,
do picadeiro, a farsa,
na estrada comendo fumaça,
diante dos olhos crianças
nuvens choveram lembranças
chorei sem graça

Pertenci ao trono, princesa,
escrava da realeza,
cega à obediência,
o coração sambou ao plebeu,
expulsos, Julieta e Romeu,
noves meses, a herança nasceu
(e o sol renasceu).

Pertenci a polícia,
tiros e tiros, perícia,
bala no peito,
ganhei desrespeito,
jogado ao canto,
salário pouco,
bandido novo.

Pertenci a orquestra de anjos,
guitarrista louco
desafinando o coro,
varrendo o choro.

Pertenci...
chutei regras
quebrei pedras
vivi...

Vampira

Vampira
Cris Sousil 24.01.97

Passos no escuro,
balada na lua,
quase nua
não respeito muro.
Vou ao encontro,
faminta, linda cria,
nos olhos, luz fria,
sereia que não canta,
mulher que encanta.
O batom de sangue,
na flor labial, grande.
Sorriso negro,
testo teu medo,
não corra,
eu vôo
eu vou.
Meu dedo te chama,
abraça essa chama,
você me ama,
vem até mim,
me amamenta
até dormir.
A noite acena,
o sol afugenta,
corro,
levanto a tampa,
cobre-me a manta,
durmo até o anoitecer
(Te buscarei, te beberei
quando o sol voltar a morrer).

Não corra,
eu vôo
eu vou...

Lágrimas de sangue

Lágrimas de sangue
Cris Sousil 10.02.97

A noite murmura,
lua obscura,
reluz penumbra,
sou coruja,
morcego,
prisioneiro.
A fome bate,
o coração late,
a prostituta na via
próxima vítima.
Enlaço-a,
sacio-me
e caio.
Na chuva, eu corro,
mais um corpo
ao poço.

(Dos olhos escorrem
lágrimas de sangue)

Caminho sem rumo,
de luto no escuro
encontro o mar.
Abro os braços,
abraço ao ar
Entro, molho, afogo-me
luz solar.
Corro, vôo, tranco-me,
caixão, meu lar.
Noite...
TV modernidade,
nostalgia da idade,
revejo sol,
revejo flor,
revejo amor,
olhos escorrem
gotas de sangue.
Sufoca-me a fome,
saio e caio,
como e morro,
diante à eternidade
que trago em mim

Eu sou assim...

Chovo

Chovo
Cris Sousil 14.02.97

Eu chovo
acelerada
alargada
eu chovo.

Em pingos, te invado
penetro tua roupa
estaciono em tua boca
num relâmpago
grito teu nome
por mais distante
sentirá no semblante
minhas gordas gotas.

Eu chovo
alargarei teu caminho
enchente de carinho
que o vento leva
que o inverno neva
chovo

Eu chovo
te abraçarei
me amarrarei em tua palma
lavarei tua alma
eu nos choverei.

Pobre

Pobre
Cris Sousil 04.04.97

Pobre...

(Meu dinheiro não compra céus
o dinheiro, simples papel)

Meu reino é sorriso
canto, danço, realizo
vou na carruagem do vento
sou rochedo
que desmancha-se ao beijo
do mar

Sou pobre,
meu dinheiro não compra céu,
meu dinheiro simples papel.

Em meu escritório
choro
Fora dos muros
sou mundo
Igual ao mendigo
piso
tão pobre...

Rica
águia perdida
que voa ao léu
dona da pobreza dos anjos
sou tão pobre
sou tão pobre.

Pelo teu sorriso

Pelo teu sorriso
Cris Sousil 26.04.97

Permita-me sugar essa tua lágrima...

Pelo teu sorriso
cubro o mar de ouro,
vou reger o coro
de doces serafins.

Com pluma de cetins,
derroto o rei das trevas,
transformo tuas pedras
em pétalas de jasmim.

Pelo teu sorriso
embrulho uma estrela,
deito-te em nuvens cheias,
sopro em tua orelha
melodias de Jobim.

Pelo teu sorriso
desenho o sol eterno,
agasalho teu inverno,
abro os meus braços,
nesse meu abraço
nenhuma sombra
te assombrará.

Pelo teu sorriso
monto o meu circo,
visto-me palhaça,
encho tua taça,
sou teu muro, escudo,
nenhuma bomba
te explodirá.

Pelo teu sorriso,
paraíso, espírito,
cuspo dias límpidos,
engulo noites frias,
rabisco poesias,
atendo os teus olhos,
ajoelho, rezo, peço,
permaneço aqui...

Prisioneiro

Prisioneiro
Cris Sousil 28.05.97

Quando o vi,
aprisionado,
vivendo pela paisagem da janela
de um quarto escuro .

Quando o vi,
amedrontado,
imaginando as cores
do mundo.

Quando o vi...

A luz que projetava seus olhos cegos,
o sol que irradiava seu corpo morto,
o livro de meia página que ilustrava,
o grito abafado que não fez eco.

Quis ser a borboleta colorida de sua mórbida paisagem,
a única flor florescendo o seu jardim,
delitos, vícios e antítodos.

E me transformei.
me transformei em quadro e quartos,
tempos que o alimentei
e me alimentei,
enfim.

Renúncia

Renúncia
Cris Sousil 17/06/97

Passos lentos, seguia
um coração que latia
uma gota de suor
um olhar ao redor
o meu calado pedia
Um suspiro
um corpo caía
Um pedido
inibido pelo espírito
A porta se abria
você saía
A porta fechava-se
gritei, despertei,
descrucifiquei
abracei o meu réu.

Espíritos perdidos

Espíritos perdidos
Cris Sousil 03/09/97

Na avenida, um grito.
Ventania que assobia.

Ela ajoelha e semeia a sentença
Ela anda sem rumo e sem mundo

Onde estão os braços
que em invernos aqueciam-na em abraços?

E os lábios que umedeciam os seus lábios?
E aquela fome quase sem controle?

Braços estendidos e um suspiro
Pensava céu, mas só alcançava sombras.

Correr para despistá-la?
Correr para alcançá-las?

E por trás das sombras enxergou o sorriso
que só ele tinha para lhe dar
E por trás das sombras o viu chamando
buscando quem não deixou de amar
E por trás das sombras viu braços abertos
desejosos por lhe abrigar

Ela caminha
sonâmbula e hipnotizada.

Onde estão os braços
que em invernos aqueciam-na em abraços?

E os lábios que umedeciam os seus lábios?
E aquela fome quase sem controle?

Aqui estão...

Último suspiro,
espíritos perdidos
e
uma ventania infinita assobia
talvez
uma re - união.

Em cada palavra

Em cada palavra
Cris Sousil 12/09/97

Quero escrever
pois cada letra chora por mim
Quero borrar esse papel em branco
que ele grite por mim
Pois meus lábios se colam
Inertes às lágrimas da alma
E meio as sombras escuras
Meu coração murmura
Sem ninguém ouvir
Chove dentro de mim
Tempestade calada
Molha e afoga mais
E não satisfaz
Inundada por tua imagem
Rendida a uma passagem
Do vento
Sem tempo
De se amarrar aqui
Sem sorriso, sem brilho
Sem o sol que queimou meu dia
Sem o abraço, sem o beijo, sem a carícia
Rabisco meu grito
Desenho minha lágrima
Em cada palavra.

Beijo

Beijo
Cris Sousil 05/08/97

Se um beijo enlaçasse almas
se um beijo valesse o ouro
do sublime, redondo tesouro
que brilha no céu
levantaria o véu
que defende meus lábios
e diria beija-me.

Se no encontro dos lábios
o mundo se encerrasse por instantes
e mesmo um a leste e outro a oeste
sentíssemo-nos nesse beijo galante
gritaria beija-me.

Se um beijo voasse
por Júpiter e Vênus
chegasse ao extremo
norte da terra
não haveria mais guerras
me renderia e beija-me.

Se nesse silêncio
os lábios murmurassem
a linguagem dos anjos
desvendando o samba do coração
e o tremor em nossas mãos
ouvirias “Beija-me”.

Se o beijo bastasse
se o beijo enlaçasse
ultrapassasse o corpo
e tocasse a alma
eu pediria
beija-me.

Manchas

Manchas
Cris Sousil 14/10/97

Mancharei um papel
com letras soltas
frases tolas
Mancharei um papel
em cada mancha teu nome
teu rosto
teu corpo
Mancharei um papel
cada lágrima
cada riso
o feitiço dos olhos teus
Mancharei um papel
num vôo ao céu
para abraçar-te
nas manchas desse papel
um beijo fiel
vai abraçar-te

O laberinto

O labirinto
Cris Sousil 23/10/97

Naquela mesa sentamo-nos,
entre arbustos, vento e chuva fina
falamo-nos,
tocando-nos com os olhos,
rendidos às mãos frias.

Cada coluna desse labirinto
traça um infinito
que nos abraçará

Cada folha caída em terra,
sinal da guerra que junto a época
se apagará.

Outros ventos, novas portas
Hoje, você leste e eu,
noroeste.

Chegará o dia
nessa mesa
terminaremos a conversa
não haverá quem impeça
o encontro do olhar.
Séculos perdidos,
séculos rendidos
nesse olhar.

Quando?

Quando?
Cris Sousil 31/10/97

Onde estará?
Quantas nuvens passaram,
quantas estrelas brilharam
desde que o século adormeceu!
Que caminho seguirá?
Quantos quilômetros andei,
quantas pedras chutei
desde que o sangue escorreu!
Quando o sol renascerá?
Quantas chuvas despencaram,
furacões que abalaram
meu espírito sem o seu!
Quando se brindará?
Nossos espíritos abraçados,
nossos corpos colados
sobre a benção de Deus.

Se...

Se...
Cris Sousil nov.’ 97

Não há algemas que me prendam
laços que me enlacem
portas que me tranquem
frente a seu semblante
Não há mordaça que me cale
cruzamento que me pare
sem faróis, sem porto
rumo a tua alma e corpo
E não há chuva que me molhe
terremoto que me abale
se me olha os teus olhos
se me tocam os teus lábios
se me enlaçam os teus braços...

Minha oração

Minha oração
Cris Sousil 21/01/98

Atravessei ondas violentas
naveguei mares sem fim
caminhei becos quilométricos
voei em céus negros
mas a todo instante
o teu semblante
me dizia “vem”
E corria em largos passos
e gritava mesmo sem voz
ultrapassando vendavais sombrios
encharcando-me em chuvas de granitos
mas a todo instante
teu semblante
gritava “vem”
Cega à monstros doentios
inerte à raios juvenis
meus pés brigavam com o solo
meus olhos só visualizavam o monte
onde a todo instante
teu semblante
soprava “vem”
Escalei toda a montanha
escorregando na traiçoeira terra
e meu corpo em guerra
dizia desista
meu espírito, insista
quando enxergava a todo instante
aquele semblante
murmurando “vem”
Cheguei
ao topo da montanha
ao topo daquele monte
e onde estava você?
Os ventos suavizaram
o sol brilhou ao leste
brisas acariciaram meu rosto
garoa fina lavou minh’alma
o céu tornou-se espelho
abri os braços, mostrei minhas asas
beijei o céu
e todo instante o teu semblante
palpitava
dentro de mim
Vivemos juntos
reinamos mundos
limpa de alma
rica de fé
abracei você.
e a todo instante
o teu semblante
me diz
“Vamos!”

Catarina

Catarina
Cris Sousil 04/02/98

Ela busca imagens,
eu busco palavras,
nós buscamos poesia
no tronco das árvores, talvez centenárias
no vôo das folhas que rodopiam até beijarem o solo
no som da madeira que canta liberdade
no passeio vaidoso das pombas
no bater das asas dos pássaros que voam.

Ela rabisca traços,
eu rabisco letras,
minhas páginas em branco,
sua tela vazia
são
pouco a pouco preenchidas
pelo som
de nossos labirintos

Finalizadas as artes
vemos e nos vemos
pintados
narrados
nossos reflexos em nossos
espelhos.

Não chore por mim

Não chore por mim
Cris Sousil 08/06/98

Você não deve chorar por mim.
estarei no vento que brinca com teus cabelos,
na brisa que acaricia teu rosto.
Estarei no sol que doura tua pele.
na rebeldia das ondas e na profundeza do mar
que raptam os teus olhos,
Estarei no azul do céu por onde tua mente voa,
no brilho das estrelas que você nomeia
e nas manchas da lua que te clareia.
Estarei nas gotas dessa chuva que penetra tua roupa
no canto e no vôo dos pássaros
Estarei nos braços dos que te abraçam
e no beijo dos que te beijam
Estarei no teu sorriso,
não me afogue meio à lágrimas.
Ouça-me em teu deserto,
serei a melodia envolta de silêncio e de paz.
Sinta-me em tua escuridão,
beijarei teu rosto, segurarei tua mão e te conduzirei
Tenha-me em teu inverno,
abrirei asas, te abraçarei, te aquecerei
Só não chore por mim,
não me afogue meio à lágrimas,
me dê o paraíso de teu sorriso,
ame e deixem que te amem
para que eu esteja envolta da luz do amor,
seja onde for.

Me disse

Me disse
Cris Sousil 15/05/98

E me disse
que o céu estava em seus olhos
que as ondas do mar, no corpo
que a montanha, nos lábios
e que era o topo.
E me disse
que o vôo estava em seus braços
que as nuvens no colo
que em seu abraço
eu abandonaria o solo
E me disse
que era o ouro dos piratas
a medalha do esportista
do sedento, a água
e do esfomeado, a comida
E me alimentou...
narrando toda essa história
pelos olhos
que não se calavam
e entregavam
quem se ocultava
e se vestia de sombras.

Cúmplices

Cúmplices
Cris Sousil 30/06/98

Suas palavras me abraçam
e nesse abraço criamos asas
e sem alas somos inteiros
Seus olhos me falam
murmúrios silenciosos
derrubando o muro
e o manto que te cobre...
E não pronuncia nada
apenas me olha
e assim me toca.

Como?

Como?
Cris Sousil 08/07/98

Como dizer sem falar
da fome de tuas palavras?
Como ver sem olhar
os teus olhos claros?
Como tocar
sem estender os braços?
Como mostrar
sem sair debaixo dos lençóis?
Como dar
sem deixar o escudo que cobre?
Por que prosseguir no inferno
sem bater nas portas do paraíso?

Mergulho em teus olhos

Mergulho em teus olhos
Cris Sousil 08/07/98.

Se eu mergulhar em teus olhos
e me afogar em tuas profundezas
matando minha sede nessas águas selvagens?
Se eu mergulhar em teus olhos
e minhas pupilas te contarem
que meu corpo arde por teu abraço?
Se eu mergulhar em teus olhos
entregando-te embrulhado o segredo
de que é teu os meus desejos?
Se meus lábios não se moverem
eu mergulhar em teus olhos
você vai entender o que eu estou dizendo?
Eu mergulharei em teus olhos
em busca de um bote
vou nadar em teus olhos
vou mergulhar em teus olhos
eu vou me afogar em teus olhos.

Encontro

Encontro
Cris Sousil Acapulco - Mx - 23/11/98

É como se eu te sentisse aqui
entre o azul do céu e desse mar,
entre as ondas que alcançam a areia
e tocam os meus pés,
sobre a noite que joga seu mistério
nos incansáveis andarilhos
E ouço tua voz no vento que beija minha pele,
tua voz murmurando as palavras
que eu sempre quis ouvir.
Uma oração vem ao pensamento
e meu sangue pulsa tão quente
e meu coração samba no ritmo de teus movimentos
invisíveis, mas tão vivos em mim
E de repente teu espírito
toca minha face
e meus olhos refletem
a luz de tua imagem
e já não estamos distantes
você está dentro de mim
e eu sou tua parte
integrados
donos do tempo e do espaço
em que lhe é permitido
permanecer aqui.

Se me calo

Se me calo
Cris Sousil 13/01/99

E se eu me calo
meio as fortes trovoadas
e os pingos pesados dessa chuva
que me fere
E se eu me calo
frente a rebelde passeata
dessa lua nua
que me persegue
E se eu me calo
e não te falo
que só eu sou só
eu sou nó
eu sou pó
que eu bebo sua imagem
e sem essa paisagem
eu falho
eu caio
eu me estendo
e me derreto
no túmulo noturno
de onde você me tirou
E se eu me calo
e não te falo
e não te imploro
perdão, volte, retorne
eu me calo
eu paro
para sempre aqui
se eu me calo...

Eu...

Eu...
Cris Sousil 13/02/99

Tudo o que busquei
no seu olhar profundo
e no seu sorriso maroto
no ar sério
e nos seus anos a mais
no monte de vida
que oculta o seu silêncio
e na alegria criança contida
detrás de sua performance tão negra
Homem
dar-lhe-ia o céu
e receberia sua estrela
Homem
invade o meu eu
e é mais eu que eu
e o meu eu é mais você
do que poderia ser
completamente perdida
e perturbada
por você existir
e dividir
o mesmo espaço de terra
o mesmo século
e ser filho do mesmo Deus
e ser mais eu
do que sou eu

Invasão

Invasão
Cris Sousil 18/02/99

Deixe a porta aberta
a luz acesa
e o mapa sobre a mesa
Não feche os olhos
caminhe contando sonhos
e deixe pegadas na areia
Pare a chuva de canivetes
e os ventos que me ferem
tire as agulhas do chão
e a armadura do coração
Não levante o escudo
não se agache atrás do muro
só permita-me invadir o seu mundo
Deixe as portas abertas
as luzes acesas
e um mapa sobre a mesa...

Reflexos

Reflexos
Cris Sousil 19/02/99 24:35hs

Rabisco o papel
você acaricia o instrumento
Respiro o céu
você traduz os sussurros do vento
e traçamos
suas mãos param
a melodia se cala
minha caneta cai
meu olhar se vai
nos encontramos
Seu ar tão sério
reflexo do mistério
meu sorriso tímido
silencioso grito
nos penetramos
Você me invade
eu te invado
e o mundo se explode
rendido a nós dois.

Sua cura

Sua cura
Cris Sousil 19/02/99 - 24:50hs

Não peça que me vá
quando seu olhar
implora para eu ficar
Não peça que me vá
antes que eu beije sua boca
tire sua roupa
e seja sua
mulher, lua, nua
Não peça que me vá
antes de afagar-lhe os cabelos
acariciar-lhe o rosto moreno
e vê-lo por inteiro
Não peça que me vá
antes de nomearmos todas as estrelas
expulsarmos a nuvem negra
Antes de traduzirmos o dialeto
sermos par de um amuleto
Não peça que me vá
antes de enxugar-lhe as lágrimas
antes de beijar-lhe as pálpebras
antes de ensolarar seu inverno
levar anjos ao seu inferno
Não peça que me vá
antes de penetrar-me os olhos
e ver você
antes de penetrar-lhe os olhos
e me ver
Não peça que me vá
antes de dormir
e despertar ao meu lado
curado
suado
e amado.

Olhos

Olhos
Cris Sousil 22/02/99 - 13:50hs

Meus olhos
despertos ou adormecidos
chorando ou sorrindo
falando ou ouvindo
vestindo ou despindo-te
Teus olhos
curados ou embriagados
odiando ou amando
caminhando ou voando
imóveis ou tocando-me
Os olhos
alimentando ou sugando
brigando ou brincando
amaldiçoando ou rezando
sempre ditando
o que quer de mim
o que quero de ti
Meus olhos nos teus
teus olhos nos meus
reflexo dos teus
reflexo dos meus
tempestades...

Vejo

Vejo
Cris Sousil 22/02/99 - 14:20hs

Te vejo
abrindo a porta
entrando calado
esbarrando no vaso
olhando-me no sofá
e dando-me o sorriso
que só você sabe dar
Te vejo
afastando a almofada
sentando-se ao meu lado
acolhendo-me num abraço
e adotando o silêncio
como fiel companheiro
E te vejo
cortando um pedaço de pizza
jogando de lado a camisa
afogando-se num gole de vinho
com um doce brilho
no olhar
E eu te vejo
acariciando as cordas do violão
com a caneta escorregando da mão
contração de uma nova canção
E vejo
suas sobrancelhas, testa franzida
olhos navegando pelas linhas
de meus rabiscos, poesia
Eu vejo
a água embriagando teu corpo
o cabelo pingando no rosto
e eu buscando o gosto
de tocá-lo, devorá-lo
E eu vejo
teus lábios em meu pescoço
tuas mãos desenhando meu corpo
minhas pernas rodeando-te todo
e no ritmo desse jogo
meu corpo é teu
e o teu é meu
Eu vejo
o homem deitado ao meu lado
os olhos semi - fechados
minha cabeça caída em teu peito
e eu de nada suspeito
E me vejo
buscando o beijo
nessa nova manhã
e não te vejo
nem hoje, nem amanhã
Eu me vejo
enrolada no lençol
aguardando o retorno do sol
que se nega a renascer
Eu te vejo
e você me vê

Noite

Noite
Cris Sousil 01/03/99 - 13:40hs

Eu era noite
e os olhos brilhavam
meio a penumbra
e o manto escuro
noturno
Pois eu era noite
negra e fria
e ele sorria
e me despia
num olhar
Noite
que se ensolarava
e me abraçava
me amanhecia
Noite
e os braços se estenderam
e os meus se renderam
sedentos de sol
E a noite
se despedia
adormecia
vestia-se dia.

Não sei

Não sei
Cris Sousil 02/03/99 - 16:15hs

Não sei enxergar sem o seu olhar,
não sei falar sem os seus lábios,
não sei mover sem os seus braços,
não sei andar sem os seus passos,
não posso tocar sem as suas mãos
nem sobreviver sem a sua respiração
não posso voar sem as suas asas,
não posso me comunicar sem a sua fala,
não quero me acostumar sem o seu abraço,
não quero me acostumar à ausência de seus lábios,
me nego a despertar e não te encontrar ao meu lado,
me nego a aceitar o final desse laço,
não sei nem escrever sem as suas palavras
silenciosas...

Hoje, o dia

Hoje, o dia
Cris Sousil 11/03/99

Hoje é um daqueles dias
em que eu acordei
desenhando teus traços
nas paredes do quarto.
Em que até a poluição do centro
une-se em formato de teu rosto
e o barulho das buzinas e freadas dos carros
lembram tua voz e o teu canto.
Hoje é um daqueles dias...
Se faz sol eu sinto o teu fogo
nas manhãs em que você despertava invadindo o meu corpo,
se faz frio penso em teus braços
envolvendo e sufocando-me em abraços,
se chove vejo tuas lágrimas
e ouço teus gritos se há trovoadas
mas se é a brisa que venta suave,
sinto-a feito cócegas em minha pele
tal qual sua respiração ofegante
sussurrando após aquela noites.
Se a lua brilha e o céu estende seu manto azul - estrelado
eu vejo-nos sentados
na sacada da sala de estar
com uma taça cheia de vinho,
celebrando em grande estilo
a arte de amar.
Hoje é um daqueles dias
em que a papelada do escritório me ataca
e as letras se embaralham, escrevendo teu nome
e cada vez que o telefone toca
é a tua voz que me fala
em outra que eu nem sei de quem é
e a melodia do rádio
é a tua cantoria matutina
me colocando em pé.
Hoje, o dia,
volto caminhando para casa,
acendo todas as luzes,
abro todas as portas,
encho a taça
e brindo sozinha,
mais um dia.
Após o banho suave,
mergulho na cama,
os braços estendem-se sobre o colchão
em vão.
Hoje é um daqueles dias
em que se falece mais um dia
junto a ti
e você não,
você não falece em mim.

Tempestade

Tempestade
Cris Sousil 23/03/99 – 11hs

Uma tempestade repentina
de pingos pesados
e apressados,
ferindo tua pele,
pingando por teu rosto,
beijando tua boca,
penetrando por tua roupa,
acariciando o teu corpo.
Despertei tempestade,
escura e barulhenta,
gritando teu nome
entre trovões.
Nos olhos o raio
que te queima e te fala,
no beijo ao solo
o frio que te abraça.
Tempestade,
descendo a ladeira,
escorrendo pela beira
da calçada,
por trás de tuas pegadas
e você se defende
da minha enchente
com a capa,
com o guarda,
com o escudo,
mas eu te desnudo
eu te ensopo,
eu te afogo
e sem abrigo
eu te obrigo
embriagar-se em meus pingos
Despertei tempestade
e vestida de maldade
inundei tua cidade.

Hoje não

Hoje não
Cris Sousil 02/03/99 (23:10 às 24:17hs - Praia Grande)

Eu não quero que você toque a campainha,
eu não quero que você entre no quarto,
eu não quero que se sente ao meu lado
e que seja a minha companhia.

Não desnude os meus olhos,
não segure minha mão,
não tire meus pés do solo,
não me pergunte porque choro.

Não quero que me afague os cabelos,
não o quero vestido de cavalheiro,
não quero que me acaricie o rosto,
não quero viciar-me em teu gosto.

Não me toca,
não me beija,
nem me fala,
nem esteja.

Não me invada com tuas palavras,
não enxergue atrás de minha máscara,
nós não vamos contar as estrelas,
não ouvirei tuas fábulas e lendas.

Não quero afundar em teus braços,
dispenso o aconchego desse abraço,
não quero tua fogueira,
eu rasgo tua bandeira.

Não quero o teu oceano,
não me diga “eu te amo”,
não brindaremos no outono,
não me inclua nesse plano.

Não me para,
não me prenda,
não me encara,
não me renda.

Não vou mergulhar em teu mar,
não quero beber teu luar,
não preciso de teu sol em minha noite,
nem de teu atalho, nem de tua ponte.

Não quero o céu de teus olhos,
não quero o mel de teus lábios,
não quero um novo duelo,
não quero tua oração em meu clero.

Não quero derreter em teu fogo,
não quero navegar em teu corpo,
não quero levitar em teus vôos,
nem quero pousar em teu porto.

Eu não quero te ver,
eu não quero te ter,
eu não quero você,
eu não quero querer.

Não me toca,
não me beija,
não me fala
nem esteja.

Por favor vá...

Eu não quero te ver
(não me pára),
eu não quero te ter
(não me prenda),
eu não quero você
(não me encara),
eu não quero querer
(não me renda).

Por favor,
VÁ!

Músico

Músico
Cris Sousil 03/04/99
(14:35 - estrada Praia Grande...SP)

As mãos que tocam a viola
são as mãos que acariciam minh’alma.
Os dedos que tocam o piano
são os mesmos que modelam meu corpo
de fêmea lua
que só quer ser
tua gruta.
Refletida em tua folha,
encubada em tua caneta,
e em teu céu, visto-me estrela
que te guia e te orienta
nas ferozes e negras tormentas.
Toque meu músico!
Colora o meu mundo
enquanto vôo com o vento
e te violento,
brincando em teus cabelos,
cavalgando em teu peito,
soprando em tua orelha
esse novo poema.
Vista-lhe a melodia
como o sol veste o dia
e nos teus acordes
desnudo o disfarce
e danço tão nua
tão lua, tão tua.

Olhos negros

Olhos negros
Cris Sousil 05/05/99

Olhos negros
Que tempestade embutida
Nos teus olhos de menina
Olhos negros
Que furacão arrasador
Nesse olhar de esplendor
Olhos negros
A chuva deve cessar
Você deve olhar, se revelar
Olhos negros
O corpo à ser enterrado
O espírito, chorando, algemado
Olhos negros
Escute-me e siga
Esse mapa, essa trilha
Abandone essa ilha
Escondida
Olhos negros
Pule a barreira do tempo
Quebre as correntes do medo
Vai voar
Olhos negros
Abaixe o escudo
Derrube o muro
E vai mar
Olhos negros
Não deixe negra
A alma sedenta
O corpo faminto
Buscando abrigo
Olhos negros
Eu te vejo
Nos teus olhos, o segredo
Nas profundezas, bem ao fundo
Toda riqueza de um mundo
Em teu sorriso
Um início
Banhe-se com as águas cristalinas do amor
Olhe com o céu límpido de teus olhos de esplendor
Criança...
( Gracias à LuzCielo)

Todo

Todo
Cris Sousil 26/04/99

Todos os delitos
se uniram ao teu sorriso.
Toda a luz
concentrado no olhar que me conduz.
Todo o mel
se espalhou pelos teus lábios
Todo o céu
embutido em teus afagos
Todo o mundo
guardado em teu abraço
Todo o silêncio
nadando em tuas palavras
Todo amanhecer
brincando por tuas pálpebras
Todo desfecho
no convite exposto em teu beijo

Camaleão

Camaleão
Cris Sousil 26/04/99 - revisão 27/05/99

Uma piscada
você é o ar que me alimenta
a terra que me sustenta
Outra piscada
você é minhas asas encolhidas
e o grito reprimido
Nova piscada
você me tem e me perde
você é o anjo e a peste
Pisco, teus olhos me despem
Pisco e eles me vestem
Pisco, você me desmascara
Pisco, me tranca na máscara
Numa piscada, entende meu vôo
noutra, força o meu pouso
As vezes voa comigo
ás vezes é meu abrigo
ás vezes me embrulha o teu brilho
ás vezes me lança em um mar de espinhos
Pisco, estamos em meu jardim
Pisco, você está em Paris
As vezes diz que me ama
mas as vezes só me engana
Diz saber quem eu sou
mas pouco se importou.
Numa piscada
o seu sorriso é o próprio paraíso
se pisco de novo ele é um tiro
As vezes teu olhar é abrigo
ás vezes é bandido
ás vezes você fica comigo
de corpo e de espírito
não importa seu eu pisco
e na beira de teu pico
eu brinco eu brindo eu brilho eu pingo eu grito eu pisco,
eu te pisco
... e sacio.

Fantasma

Fantasma
Cris Sousil 15/04/99

Qualquer alvo que meu olhar mire
Qualquer som que minha corda vocal crie
Qualquer pedaço de solo que meus pés pisem
Qualquer palavra que meus dedos rabisquem
Qualquer gesto que meu braço forme
Qualquer corpo que meu corpo bole
Qualquer boca que na minha encoste
Qualquer relevo que minha mão toque
Qualquer melodia que meus ouvidos suguem
Qualquer gosto que minha língua deguste
Qualquer espinho que, a minha pele, rasgue
Qualquer tempestade que me afogue
Qualquer estrela que me ilumine
Qualquer luar que me inspire
Qualquer animal que me devora
Qualquer homem que vai embora
Vejo-o na fumaça da minha sauna
Vejo-o dentro da minha mala
Vejo-o em qualquer das paredes da minha sala
Vejo-o em todas as raízes da minha alma
feito fantasma...

Seu sorriso

Seu sorriso
Cris Sousil 08/04/99

O seu sorriso
Preencherá esse papel...
Dá passagem direta ao céu
Abre as portas do paraíso
Das bruxas, o mais rico feitiço
O seu sorriso
É isso
Dá nisso
Chuvisco
Numa tarde ensolarada
Ou numa quente madrugada
O seu sorriso
Bombeia as veias do meu coração
Movimenta a minha mão
Tingindo as folhas
Com palavras soltas
O seu sorriso
Melodia silenciosa
Brisa que me abraça
Lua que invade meu quarto
E deita-se ao meu lado
Carruagem que me transporta
Abre todas as portas
O fantasma que acaricia o meu rosto
E suga o meu gosto
Mas o seu sorriso
Ondas do mar beijando as rochas
Pétala de rosa
Que cobre o meu corpo
Saqueia o meu porto
Água à minha sede
Alimento à minha fome
O aconchego da rede
Sujeito, verbo e pronome
O seu sorriso
Movimento dos lábios
Que cora meu rosto pálido
Que seca minhas lágrimas
Invade minha alma
O seu sorriso
Maroto e sem juízo
Sopro angelical
Que afasta qualquer mal
O seu sorriso
Ensolarada imagem
Que sobre os meus lábios age
Fazendo-os sentir
E sorrir
O seu sorriso
O meu suplício.

Porquês

Porquês
Cris Sousil 08/04/99

Por que eu tenho que estar aqui
E você aí,
Jogados em cantos distintos do universo
Se comunicando em versos
Quem caminham sem malas
E sem asas?
Por que eu não posso te olhar
E com os olhos nadando num lagrimoso mar
Pedir um abraço
Um beijo, um afago,
Um ponto final
Ao que vai mal?
Por que eu sinto
Mas, te ver, não consigo
E estendo os braços
E só acaricio os traços
Expostos no vento
Feito um lamento?
Por que eu não posso beber de tua comida
E comer de tua bebida,
Me queimar em teu corpo
Dormir em teu fogo,
Protegida contra o inverno
Aquecida contra o inferno?
Por que não posso te encontrar
Te dar um beijo e contar
Sobre o meu dia monótono
Que eu quase caio da moto
Chorei para não ir ao trabalho
Pois tive frio sem teu agasalho
Por que eu não posso chover
Deitada em teu colo
Liberta de qualquer questionário
E dois minutos depois sorrir
Pela dádiva de tê-lo junto a mim
Por que não podemos passear
De mãos dadas sobre o luar
Caminhar pela beira do mar escuro
Comunicando-nos completamente mudos
Desnudos e únicos
Nesse colorido mundo
Por que não posso escrever para você ler
E não posso ouvir você tocar?
Por que não podemos fugir
Dessa tempestade sem fim?
Acolhermo-nos numa cabana
Amarmo-nos mesmo sem cama
Dobrarmos o lençol
Para estendermo-nos ao sol?

Segredos

Segredos
Cris Sousil 12/04/99

Se ele soubesse
Que quando desperto no meu quarto
O primeiro bom dia que dou é para o seu retrato
Quando eu levanto no escuro
Sou guiada pelo seu murmuro

Se ela soubesse
Que todas as manhãs, para me manter em pé,
Finjo que, na sala, ela me espera para o café
Que no primeiro banho do dia
Sinto em meu corpo sua mão atrevida

Se ele soubesse
Que quando eu abro as janelas da casa
Ele é a carícia na brisa que passa
Que eu ainda me benzo antes de sair
Deslizando na imagem do seu doce sorrir

Se ela soubesse
Que o pão e o queijo só enfeitam a mesa
Por saber que seu beijo não virá como sobremesa
Que os ponteiros do relógio bailam enquanto elejo uma roupa pra vestir
E sempre opto pela camisa que ela me deu em Berlim

Se ele soubesse
Que meus pés freiam e me acorrentam frente ao jardim
E o vejo regando as flores que ele plantou para mim
E na avenida quando paro, aguardando o sinal,
Vejo seus dedos sintonizando o rádio na Musical

Se ela soubesse
Que sigo desenhando, com as nuvens no céu
Ouvindo ao fundo os boleros de Luís Miguel
Que o telefone já não toca vezes seguidas
Corro, quase caio, pode ser ela quem liga

Se ele soubesse
Que já não enxergo sem seus olhos
Que já não rio sem seu riso

Se ela soubesse
Que às vezes não me contenho e choro
Que já não sei por onde eu piso

Se soubesse
Que cada vez que olho no espelho
É a sua imagem que eu vejo
Que tudo está escuro e deserto
Sem você aqui, sem você por perto.

Solidão

Solidão
Cris Sousil 26/04/99

O banco vazio
O copo vazio
O corpo vazio
O manto tão frio
Um olhar sombrio
Um coração vazio
Afogou-se no rio
Poluiu-o.

Liberta-me

Liberta-me
Cris Sousil 26/04/99

Liberta-me
Desamarre as cordas
Enterre as veias mortas
Abra todas as portas
Encha minha taça de ar
Liberta-me
Cure minhas asas
Faça minhas malas
Já raiou aurora
Tenho que ir embora
Liberta-me
Que me abrace a noite
Que me corte a foice
Já não tenho medo
Vou morrer primeiro
Se eu não voar
Liberta-me
Não tente me alcançar.

Olho-o

Olho-o
Cris Sousil 26/04/99

Olho-o
Não é um cubo de gelo
Não é antídoto nem veneno
Só rende-se ao medo
Olho-o
Levanto minha mão e toco-o
Levanto seu rosto e olho-o
E lhe encontro
Entre nuvens, raios e trovões
Entre o carnaval de emoções
Olho-o
E não me acovardo pela noite
Talvez sugue um pouco de meu sangue
Seu pranto contido é a fome
E seu silêncio grita meu nome
Olho-o
Se perfurá-lo a estaca de meu toque
Lhe abraçará uma morte
E raiará luz
Pelo espírito nu
Não temo e olho-o
Vê pois lhe vejo
No escuro entardecer
No escudo anoitecer
Me aqueço em seu ser.

Não mais

Não mais
Cris Sousil 14/06/99

Não escrevi mais
Perdi-me entre a poluição de São Paulo
Entre as buzinas dos carros
Entre a briga dos torcedores
Entre os canivetes de marginais amadores
Perdi-me entre o batalhão de exames
Entre a lotação do metrô
Perdi-me no contrato, no computador
Nos telefones gritantes
E na campanhia falante
Perdi-me entre os ponteiros do relógio
Na papelada do escritório
Entre o bom dia do faxineiro
E o boa noite do porteiro
Perdi-me nas ruas escuras da cidade
E no copo de cerveja no fim da tarde
No tráfico matutino
Na música brega do vizinho
Não escrevi mais
Não dancei sem música
Nem sorri na chuva
Não contei mais as estrelas
Nem namorei a lua cheia
Não escrevi mais
Não achei minha caneta
Não achei minha agenda
Te perdi, e toda a letra
Me perdi, e toda negra
Não te escrevi mais
Não me escrevi mais.

Adeus

Adeus
Cris Sousil 17/06/99

Adeus
Só vim pra isso
Nem teu sorriso
Nem teus olhos claros
Nem teu abraço caro
Vão me algemar
Adeus
Bebi mais lua que sol
Mais chuva que sol
Adeus
Cansei
Mendiga de um olhar
Faminta de um “olá”
Escrava de teus gestos
Fui abortando o feto
Adeus
Teu mundo, meu fundo
Meu rumo, teu luto
Adeus
Toco-te e não te alcanço
Olha-me e não me encontra
Eterna gangorra
Quando sou céu, você é a terra
Quando você é a paz, eu sou a guerra
Adeus
Não pergunte se estou bem
Dessa vez vou além da refém
Adeus
Antes que nossa ponte,
Nosso monte, nossa fonte
Espalhar-se em pó
Desfaço o nó
Sigo inteira, sigo só
Adeus
Quis o nome, não o pseudônimo
Quis o homem, humano, anônimo
Adeus
Não, eu não direi o adeus
Veja, uma vez, nos olhos meus
Não, eu não direi à Deus
Ele já reconheceu
Nesse amor fez-se ateu
Adeus
Vim buscar tuas últimas palavras
Descarregar as mágoas da mala
Adeus
Amei o humano, não o mito
Não idolatrei, ofereci abrigo
Talvez por isso
Adeus miragem
Adeus passagem
Adeus, eu grito
À Deus suplico
Ah... Deus!

Cinderela

Cinderela
Cris Sousil 30/06/99

Tento sentir na chama
E na cama
Tento ver no espelho
Do banheiro
Tento ouvir no vento
E no meu seio
Tento ver na igreja
E nas estrelas
Tento ouvir nas flores
E nos louvores
Tento ver na sombra
Da varanda
Tento ouvir na pedra
E na selva
Tento ver no chão
E no caixão
Tento ouvir na rua
E pergunto à lua
Tento sentir nos rostos
E nos corpos
Tento ver no brinde
No copo de uísque
Tento ouvir na música
Da noite escura
Tento te ouvir em lábios
E me declaro
Surda, pálida
Estátua
Não toco, não posso
Não ouço, sou poço
Não vejo, lamento
Você já não está aqui
Descrente da fada, do príncipe, da abóbora
Sentirei nos espinhos da rosa
Ouvirei no grito da pólvora...
Cinderela morta

Esse poema

Esse poema
Cris Sousil 21/07/99

Sem reflexo no espelho
Sem sangue nas veias
O coração não bate, nem late
O corpo não responde, nem incendeia
Sem lágrimas nos olhos
Sem suor lavando os poros
A sina não vacila
A alma não respira
Sem espinhos para cortar
Sem flores para regar
Pequeno diante do mundo
Cego, surdo e mudo
Sem malas, roupas, sapatos
Sem fotos, filmes, recados
Sem telefone, sem endereço, sem teto
Sem crucifixo, sem crença, sem credo
Sem documento, sem indicio
Sem família, sem amigos, sem inimigos
Sem células, sem veias, sem corpo
Monte de tijolos
Modelando uma forma
Sem norma, sem porta
Nem o vento não tem tempo
De ter e de ser
Sem nenhuma trilha
Sem nenhuma pista
Sem nenhuma vida
Sem tradução, sem contexto
Sem reflexo no espelho.

... ao menos rendeu poesia

... ao menos rendeu poesia
Cris Sousil 22/07/99

O que foi real?
Quando eu te sorria?
Quando você me olhava?
Não faz sentido
Ser tudo circo
Ser só teatro
Termos só jogado
Quando fomos tema
De dois poemas
Não faz sentido
Se houve abrigo
Se houve assalto
Se houve parto
Agora o aborto
De todo o sonho.
O que foi real?
Quando você sorria?
Quando eu te olhava?
Quando você cantava?
Quando eu gemia...?

Mexe e remexe

Mexe e remexe
Cris Sousil 12/08/99

Ele mexe comigo
Quando conversa
Quando cochila
Quando respira
Quando transpira
Mexe e remexe comigo
Com aquele riso
Com este risco
Eu me embriago
Ou fujo logo?
Ele mexe comigo
Eu invento a peça
Eu crio a festa
Caminho em seus passos
Contorno os seus traços
Mexe e remexe
Roubou meu olhar durante a aula
Invadiu-me em plena sala
Saqueou minhas armas
Invadirá minha alma?
Não entre
Me beije
E dê meia volta
Antes que eu abra as portas.

Where are you?

Where are you?
Cris Sousil 17/08/99

Já supliquei aos anjos
Já fiz promessas loucas
Já tracei alguns planos
Já quebrei metade da louça
Caminhei vendo-te aos lados
Namorei o ponteiro do relógio
Afinei a voz ao atender o telefone
E quase libertei o seu nome
Já contei e recontei os anos
Já te raptei em um sonho
Já desenhei fantasmas
Já abri e fechei as asas
Te procurei no dia
Nas sombras da noite
Te amanheci poesia
Atravessei todas as pontes
Onde está você?
Tantos anos sem te ver
Onde está você?
Cadáver? Aliança? Criança?
Como está você?
Onde está você?
Você tem brincado por aqui?
Caminhado dentro de mim?
Eu espero a carta
O telefonema
Busco na praça
Nos bancos do cinema
Busco na taça
Ou nas aulas de fonema
Grito sua graça
Fumaça, problema
Dilema, meu tema
Onde está você?
Supliquei ao meu anjo
Tracei tantos planos
Dessa vez digo te amo
eu te amo Eu te amo EU TE AMO
Onde está você?
Como fui te perder?
Como vai você?
¿Dónde estás tu?
Where are you?
Onde está você?

O retorno do fantasma

O retorno do fantasma
Cris Sousil 19/08/99

Um dia me embrulhava o céu
Noutro me arremessava à terra
As vezes combate e guerra
Outras, poesia refletida num papel
Chegava com um grande sorriso
Beijo estalado em meu rosto
Palavras acariciando meus ouvidos
Um tabuleiro e um único jogo
Ora era um cubo de gelo
Bombardeando meu mudo desejo
Congelando meu mundo de gesso
Alimentando meu surto de medo
Um dia, olhos nos olhos
Suor transbordando por todos os poros
Embriagante proposta
Exposta, retirada, sem porta
Hoje, outros cenários
Hoje, outros ensaios
A ausência transborda
O fantasma retorna
A interrogação impera
Atropela, genera
Onde estão teus passos?
Meus traços?
Teus braços?
O fantasma retorna
Onde estão postas as respostas?
... e as portas?

Rendida a ti

Rendida a ti
Cris Sousil 19/08/99

Hoje eu me rendo a ti
Estendo a bandeira branca
Entrego-me à tuas chamas
E brindo a ti
Já levantei a taça
Já adotei tua graça
Já confessei-me tua escrava
Enfie então tua estaca
A flecha
Na brecha
Hoje eu me rendo a ti
Ferva em minhas veias
Chego até tua beira
E grito sou tua
Tão nua e tão crua
Beba-me então
Sugue a emoção
E exploda meu coração
Segure minha mão
Na saída das trevas
Na mudança das peças
Mergulharei em teu mar
Para me afogar
Me embebedar
Em suas selvagens e vastas águas
Agarrarei em tuas asas
Hoje eu me rendo a ti
Sirva-me em teu prato
Rabisque meu diário
Desenho o teu nome
E bebo em tua fonte
Que eu caia
Que eu morra
Mas não corra
De ti Amor
Hoje eu me rendo a ti
Me usa
Abusa
E lambuza-me
De ti.

Palavras

Palavras
Cris Sousil 21/08/99

Palavras são portas
São facas, são portos
Me fazem partir
(Museu Lasar Segall)
Palavras são hortas
São tapas, são fogos
Viagem sem fim
Palavras são mapas
São marcas, são fotos
Lágrimas e festins
Palavras são rosas
São terra e são guerra
Num único jardim
Palavras são poças
São velas ou são quedas?
Pergunto pra mim.

Corpo

Corpo
Cris Sousil 02/09/99

Refúgio...
Em todas as ondas
Na maré de tua boca
No desenho de teu peito
No jardim de pêlos
Não há semáforos
Não há fumaça de carros
Não há telefone histérico
Nem TV estéreo
Há apenas o mistério
No teu olhar quase sério
Há chama sem vela
No enlaçamento das pernas
Há um mago
Em cada abraço
Encontro abrigo
Até mesmo em teu umbigo
Eu ressuscito
Em teu sorriso
Fogem todos os lobos
Quando pouso
Em teu corpo
Morrem todos os monstros
Quando somos
Um só ponto
Um único porto
Um só corpo.

Sua cidade

Sua cidade
Cris Sousil 02/09/99

Sem passaporte
Mergulho na sorte
Nenhuma mala
Rua deserta
Calçada de pedras
Nenhuma sala
Chove granitos
Sigo o sorriso
Nenhuma fala
Semáforo vermelho
Remédio ou veneno?
Ninguém me para
Mais dois passos
Mais dois laços
Destruo tua senzala
Não tem jeito
Dou um beijo
Ao homem que me encara
Já é tarde
Tua cidade
Já é minha cara
Minha sala
Minha casa
Minha alma.

Passaporte negado

Passaporte negado
Cris Sousil 02/09/99

O cinema no centro
Cena seca
Sala vazia
A moça sentada
Cigarro na mão
Cega de solidão
A sandália rosa
A saia rodada
Transportou-se para a outra sala
Abandonou a selva
Sucesso certo
Naquele salão
Dia de sábado
Dançou salsa, dançou samba
Tocou o sino da igreja
Virou o copo de cerveja
Saboreou sonhos de sobremesa
E seu sorriso
Doce símbolo
De super-star
Secou-se nesse século
Sem passaporte
Chegou sem sorte
À essa cidade.

Será?

Será?
Cris Sousil 03/09/99

Será
Que danço em teu pensamento
E te violenta um lamento?
Que me desnuda tímido
E bebe o meu sorriso?
Será
Que me olha e me desfruta
E se afoga em tua luta?
Que me pinta nas paredes
E me vê em toda gente?
Será
Que cria uma conversa
que me impeça de partir?
Que jogue a mesma peça
que eu jogo por ti?
Será
Que fecha todas as janelas
Para não render-se a mim?
Mas rega a mesma planta
Nesse teu vasto jardim?
Será
Que quando dorme ainda espeta-te
As palavras que não me abraçaram
E os toques que não te enlaçaram
E os beijos que não nos salvaram?
Será...?

O que acontece?

O que acontece?
Cris Sousil 03/09/99

O que acontece
Que perco-me em teus olhos negros,
Que caminho por teu endereço,
Que desenho o teu rosto,
E deslizo em teu corpo,
Num olhar?
Que acontece?
Que te busco em cada homem,
Que murmuro o teu nome,
Que te embrulho essa mente
Onde germina tua semente
Em selvagem mar?
Que acontece
Que me devora o teu beijo,
Que me guarda o teu peito,
Que me encaixo em teu sexo
E durmo em teu teto
Enquanto tocamos o luar?
Que acontece
Quando te rabisco amante
E te vejo tão distante?
Quando vejo o teu sorriso
Resumindo-te amigo?
Que acontece
Que abraço o meu grito,
Que seco o meu chuvisco
E não te convido a entrar?

Deserto

Deserto
Cris Sousil 06/09/99

Desperta...
Namora o espaço
Desenha nas paredes do quarto
Os contornos do retrato
De quem queria por perto
Veste-se deserto
O sol escaldante o cozinha
É areia, fina farinha
Voa com o vento
Banha seu lamento
Deserto
Discava o túmulo
Enterra o fruto
Vaga pelo mundo
Uma sombra de luto
Deserto
Palavras metralhadas
Duelo de risadas
Falas que não lhe tocam
Toques que não lhe falam
Deserto
Um Deus sem teto
Um homem sem metros
Perdido entre a multidão
Congelado em pleno verão
O deserto
Discute com a poesia
Falece todos os dias
Assobia pedras em melodia
Um deserto
Fantasma no dia e na noite
Um conde sem nome
Sem ponte
O deserto deserto.